ACORDOS ESPIRITUAIS
Fidelidade é respeitar os acordos feitos.
Há alguns anos, nos primeiros dias dos Trabalhos da Porta do Sol, era comum receber a visita de vários dirigentes de igrejas e grupos religiosos ligados à Ayahuasca (embora usassem outros nomes para o sacramento) que me explicavam pacientemente como funcionavam suas regras e costumes.
Dessa forma, acabei conhecendo várias lideranças espirituais e indo a inúmeras igrejas, sempre sendo muito bem recebida por todos. Naquela época, a única coisa que eu sabia é que iria fazer um Trabalho "único e original", mais nada. Estava encantada com a oportunidade de conhecer os bastidores desse mundo tão restrito e misterioso.
Recebi a visita de um grupo de pessoas trazidas por um amigo comum, com o firme objetivo de que eu tivesse uma experiência espiritual com a "Santa Maria" ou Makana como a chamam os angolanos, ou maconha como se chama no Brasil.
Eles argumentavam que eu não poderia julgá-la sem antes experimentá-la e explicavam que a usavam ritualisticamente, nos Trabalhos com a Ayahuasca, com a licença de seu fundador. Aceitei. Era uma bela noite de primavera, fomos para o jardim, éramos umas dez pessoas cantando o maravilhoso hinário da "Santa Maria".
Num dado momento do transe, vi a magnífica elemental, vestida de pedras preciosas vermelhas e brancas. Admirei a beleza e o carisma dessa planta que depois vira-se para mim e diz: "Vou te ajudar no seu Trabalho, mas nunca mais me invoque, nunca mais".
Fiquei impactada, pois não tinha nenhuma intenção de fazê-lo e, naquele momento de intensa comunhão espiritual, tudo adquiria dimensões extraordinárias que me faziam entender o que a planta me dizia.
Aceitei, de joelhos, o acordo. Ela acrescentou: "isso vale para todos de sua Linha". Aceitei. Entendi por que as Linhas são diferentes umas das outras, o que um grupo espiritual pode fazer o outro não pode.
Quando elaboramos o Regimento Interno, colocamos como condição para uma pessoa se tornar membro da Porta do Sol não fazer uso de nenhuma outra planta de poder, alem da Chacrona e o Cipó, nem dentro nem fora dos Trabalhos.
Entendemos que isso seja fidelidade. Na mesma época, em um de meus Trabalhos, no mesmo jardim, visualizo o Mestre Irineu a me pedir para nunca misturar nada, nem plantas de uso medicinal nem qualquer vegetal ao chá Ayahuasca. Aceitei.
Observação que fiz alguns anos depois daquele encontro no jardim de minha casa: Quando anunciei que para se tornar membro da Porta do Sol, o participante não poderia ser usuário de maconha, mesmo que a consumisse para fins religiosos, muitas pessoas deixaram de vir aos Trabalhos, alguns resistiram e usavam outras plantas escondido, mais acabaram saindo depois.
Anos depois, se desculparam e nos deram razão, reconhecendo que as duas plantas são incompatíveis.
Fomos coerentes com o pensamento do fundador da Ayahuasca, o Mestre Irineu, que condena qualquer coisa que vá se opor às leis do Brasil. Mas, mesmo que esta planta venha a ser legalizada, nós, da Porta do Sol, jamais a usaremos, e nem a outra planta qualquer, por razões de um acordo espiritual.