Manifesto em Defesa da Ayahuasca e pela Liberdade de Culto Religioso
Para: Defensores da PAZ e do diálogo inter-religioso; pesquisadores, defensores dos direitos dos grupos religiosos ayahuasqueiros; grupos e lideranças religiosos; artistas; professores; profissionais da cultura, da arte e dos direitos fundamentais.
A diversidade constitui para as nações contemporâneas um bem precioso, um inestimável patrimônio. Por isso, não exageramos se afirmarmos que o Brasil é extraordinariamente rico, seja em matéria de biodiversidade, seja pela exuberância cultural, tendo como um dos espaços privilegiados para a observação desse tesouro o campo religioso. Um exemplo importante é o vigor do que se poderia denominar “cultura ayahuasqueira e as religiões ayahuasqueiras”.
Este campo religioso envolve, em todo o Brasil, um conjunto vasto de grupos organizados, doutrinas sistemáticas, narrativas históricas compartilhadas, calendário de celebrações estabelecido. Essa constelação tem como eixo comum de referência a consagração ritual da bebida, considerada sagrada, obtida através da infusão das folhas da Psychotria viridis – um arbusto chamado Chacrona – e da Banisteriopsis caapi – um Cipó conhecido por Mariri ou Jagube.
Em 23 de novembro de 2006, o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (-D) retirou, definitivamente, a Ayahuasca da lista de substâncias proibidas. A Ayahuasca já havia sido excluída desta lista, em caráter provisório, em setembro de 1987. Em 26 de janeiro de 2010, o governo brasileiro regulamentou, com base em parecer do -D, seu uso para fins religiosos. Parecia que, no que se refere às tradições ayahuasqueiras, havia sido decretado o fim da intolerância, da estigmatização, das acusações irresponsáveis, sem qualquer fundamento científico, que agridem tanto os fiéis quanto a razão.
Recentemente, entretanto, inserido no ambiente de ódio que tem tomado conta do país, o campo religioso ayahuasqueiro foi novamente alvo de acusações, desta vez por meio de denúncias preconceituosas e discriminadoras, seguidas de uma campanha pela criminalização do uso religioso da Ayahuasca.
Considerando-se a extraordinária riqueza cultural e religiosa brasileira, nada poderia ser mais regressivo, obscurantista e violento do que a intolerância religiosa e a recusa à diversidade cultural. Cada ato que visa mutilar um ramo de nossa floresta de crenças, fé e valores, põe em risco todo o ecossistema cultural democrático. O Brasil contemporâneo não pode mais comportar a violência da intolerância sob nenhuma de suas formas.
Por isso, independentemente de nossas crenças pessoais, fazemos questão de nos pronunciar publicamente em defesa de todo o campo de tradições religiosas ligadas à Ayahuasca, que merece nosso mais profundo respeito, e contra qualquer forma de intolerância e preconceito.
Brasil, 21 de março de 2016 - Dia Internacional da Floresta